Marginal ao Extremo

Ao final dos anos 60 do século passado Hélio Oiticica cunhou a frase “Seja herói, seja marginal”, representando uma série de trabalhos nas mais diversas áreas, como música, poesia, artes plásticas e cinema. Trabalhos incompreendidos e colocados de lado por grande parte da mídia e da crítica especializada.

No dia 12 de junho de 2016, domingo, dia dos namorados, os heróis marginalizados de Fortaleza se reuniram no Casarão Benfica para a terceira edição do Festival Fortaleza Marginal, idealizado por Jonnata Doll e produzido por ele e André Moura. O Festival é realizado para reunir diversas formas de pensar a resistência artística na nossa cidade. Há poesia, música (em vários estilos, do rap ao blues passando pelo bom e velho rock’n’roll), teatro, artes plásticas, exposições etc. Muitos pensam no festival como parte da construção de uma cena undergound em Fortaleza. Mas segundo Fernando Catatau, da banda Cidadão Instigado, é, na verdade, “uma desconstrução de qualquer cena, pois Fortaleza tem várias cenas que, apesar de serem diferentes em som e pensamento, todos se unem em sentimento”. E é isso mesmo que percebemos no evento. Várias tribos diferenciadas em propostas, mas unidas em torno de algo maior: a originalidade de seu trabalho. Todo o sincretismo artístico ali reunido soa como algo único e original. Tanto que o som autoral é a grande aposta do evento.

Cocaine Cobras, Power Trio no palco
Cocaine Cobras
Organizador do evento Cidade Marginal André Moura
André Moura

Cocaine Cobras é um power trio clássico, que fez um show pesado, calcado no stoner rock. O baixista e vocalista Antônio Lauder chama atenção que, além da questão musical, essa mistura de estilo em eventos desse tipo faz com que haja um mercado undergound, onde bancas que vendem de camisetas a fanzines mostram seu trabalho e as bandas podem trocar experiências não apenas sonoras, mas sobre o trabalho em si, contatos de estúdio, produtores e tecnologias.

A cultura rap deu show com o coletivo Maloqueria. Inicialmente com a poesia da periferia, como Gabriel Peixe definiu seu trabalho, e logo após com o som levado por Andrezão GDS e Padêro MC, em uma mensagem de paz que pretende dar uma agulhada nas mentes dos ouvintes. Padêro, com uma história de vida que dá uma matéria à parte e 12 anos de estrada no cenário do rap de nossa cidade, vê com excelentes olhos sua participação no evento. Acredita que a mistura de ritmos só tem a acrescentar em suas letras e na sua percepção de mundo.

Padêro MC mandando o som, Coletivo Maloqueria
Padêro MC, Coletivo Maloqueria
Poetisa Jesuana Prado acompanhada por Fernando Catatau e banda
Jesuana Prado e Fernando Catatau

As intervenções poéticas que ocorriam entre uma banda e outra eram muito mais que intervalos. Algumas chamaram atenção não apenas pela mensagem, mas também pela estética, como na intervenção de Maria Epinefrina e Antônio Baticum. Samuel Denker comandava o microfone aberto para que marginais de última hora levassem a sua viagem. Jesuana Prado realizou uma apresentação forte, impactante, com mensagem social e crítica muito presente, e com fundo musical de Fernando Catatau. A poetisa comentou conosco que seu sentimento ao se apresentar no festival “foi de êxtase, alegria e empoderamento, de falar de coisas que importam, mas de forma poética”.

Destaque também, fora do cenário musical, foi a apresentação O Índio Buriti, com Chicão Oliveira, Eugênia Siebra e Luiza Torres. Mostrado de forma lúdica, esse espetáculo pensado como uma contação de história para crianças encantou os adultos presentes no festival, o que, segundo Chicão, foi um grande desafio, mas a poética, a musicalidade e a estética do espetáculo certamente conquistaram o público.

Voltando às apresentações musicais, a abertura do Marginal contou com o projeto solo Arturo, do garoto solvente Marcelo DenisDead, bem mais intimista que seu trabalho de baterista na banda com Jonnata Doll. Cantando e tocando teclado, DenisDead é o próprio Arturo (o urso polar mais triste do mundo).

Allysson dos Anjos e banda no palco do Festival Fortaleza Marginal
Allysson dos Anjos e Banda
Guitar Hero Fernando Catatau em Ação
Fernando Catatau

Figurinha carimbada na cena bluseira da cidade e também veterano de outras edições do Cidade Marginal, Allyson dos Anjos representou com muita competência o blues no festival. Fernando Catatau se mostrou completamente à vontade no palco e transitando entre as figuras que construíram o festival, pois como ele mesmo se definiu, é alguém do undergound e, portanto, esse ambiente é o mais natural possível para ele. Começou o show com músicas do primeiro EP do Cidadão Instigado, homenageando os 20 anos da banda. E prosseguiu mandando ver com algumas músicas da banda bem conhecidas do público da festa.

Músicos diversificados tocando as músicas do Jonnata Doll
Jam Session com uma galera massa!
Jonnata Doll caindo nos braços do público
O mergulho do Punk

Catatau, DenisDead e Allysson se juntaram a Jonnata Doll para o ponto alto do Marginal. Com a voz rouca, havia a dúvida se Jonnata  realmente conseguiria segurar o ritmo alucinante dos seus shows. Mas se alguém apostou nessa, perdeu. O show foi um dos mais incríveis do Jonnata. As guitarras de Catatau e Allyson deram um diferencial. Como sempre, a presença marcante de Jonnata no palco encantou a plateia e sua interação com o público de sua cidade natal parece ser diferenciada, tornando sua atitude punk, mais punk ainda. Em um papo após o show, Jonnata declarou que ao tocar aqui “se sente em casa, o que é até estranho, pois eu passei a vida toda me sentindo um estrangeiro nessa cidade, pela forma como construí minha identidade”. Espírito Marginal ao extremo. Tanto Catatau quanto Jonnata comentaram que esse tipo de festa é o que eles sempre gostaram de frequentar. Assim como todos nós, por isso o relacionamento especial com esse público.

Jonnata Doll Sendo Iggy Pop
Jonnata Doll
Jonnata Doll e Catatau Pré Fatality
pré-fatality

A 3ª edição do Marginal cumpriu sua função. Mostrou a força dos artistas de nossa cidade, reforçou o som autoral, foi um manifesto político de resistência ao que a grande mídia nos faz engolir diariamente e, essencialmente, foi muito divertido. Saímos de lá com a sensação de que não apenas esse evento precisa se repetir, mas que outros eventos desse tipo devem se espalhar pela cidade. Vamos aos próximos passos. Continuaremos marginais?

2 comentários em “Marginal ao Extremo

  1. Muito massa a matéria,ótimo texto, mas só queria esclarecer que o festival foi uma ideia que tive e chamei o Andre para realizar comigo, então nos dois produzimos ele, se puder dar uma corrigida seria massa, se não, tudo bem!
    abs

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