Uma Noite Muito Limurings

Feche os olhos. Pense no inferno. Não no inferno cristão, muito menos o inferno de qualquer religião conhecida nesta galáxia e sim um localizado há zilhões de anos luz de qualquer civilização civilizadamente civilizada. Esse inferno não possui nenhum humanunrings, mas estava completamente cheio de nemurings e gleburings, além de vários flinstrings, reinstrings, hendrix e plemurings também. Sim, estava. O meteoro 45, com sua cabeça piterglivrica e sua cauda extertroflyndrica, passou por lá e arrastou essa multidão. E avançou para esse planeta subdesenvolvido rumo à uma colisão inevitável, onde gerou enormes crateras em cabeças mais atentas e ainda acordadas à meia-noite.

Não entendeu? Pois você precisa urgente correr para assistir ao próximo show da Banda Glamourings, dar um rolé com o Léo, curtir muito deboches, consumir produtos glamourings, aprender novas palavras glamourings, escutar sons estranhos que mexem com sua mente, experimentalismos, sons de tiranossauro rex, barulhos esquisitos, dançar com o balé glamourings, mostrar sua raba gulosa… Enfim, ter seu coração liquidificado em pleno palco.

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Em festa produzida pelo Sapoti Soundz, a Banda Glamourings distribuiu tapas em várias faces e beijos em diversos corações em uma noite quente de junho de 2017. Quem estava no Bolacha Mágica desfrutou de toda a performance encarnada nas vozes e nos corpos de Melindra Lindra e Tina Reistrings, além das participações especialíssimas do Balé Glamourings. “O Balé Glamourings são as pessoas que entram para transformar esse nosso mundo que a gente ambienta com vozes, pois nós não tocamos instrumentos, então nós precisamos encontrar uma potência em nossa voz, a gente transforma nossas vozes em instrumentos, a gente quebra as palavras, porque o Glamourings é isso, brincar com as palavras”. Esse comentário de Melindra é perfeitamente compreendido ao assistir esse vídeo exclusivo da passagem de som da banda. Um dos pontos fortes é justamente a combinação das duas vozes.

Antes da subida ao palco da Banda Glamourings, Macakin das Galáxias, outro viajante do universo, pousou, juntamente com os músicos Rami Freitas e Mateus Mesmo, integrantes da banda Casa de Velho, para uma intervenção performática e intergaláctica, chamada Macaca & as Galáxias. “Várias coisas dentro de mim reverberam e alcançam outras galáxias, outros planetas e foi assim que eu me juntei com os meninos do Casa de Velho, Rami e Mateus, e chegamos com essa experimentação, porque não poderíamos chegar com algo padrão e normatizado na frente do que iria acontecer essa noite, foi uma noite de encontros de muitas galáxias e muitos universos”, afirmou, com toda razão, Macaco. Realmente não é possível imaginar uma combinação mais incrível, a simbiose impressionante de Macaco + Glamourings, em que seres híbridos foram gerados nessa noite fria.

A apresentação de Macaco foi acompanhada de músicas bem representativas para sua mensagem. “Hoje a gente trouxe uma mensagem que transitava do masculino pro feminino. Eu venho como ser de outra galáxia que não pertence a esses padrões de seres humanos, que vem de outro planeta, que começa em um útero, seja lá qual foi o útero, se foi de um planeta, se foi de uma mãe, se foi de um inseto, que vem para esse mundo e vem trazer algo, e todos os seres vem trazer algo. Todo nascimento já é uma luta, mas a gente vive num padrão de normatividade onde todo mundo se enquadra em uma caixinha… então trazemos essa mensagem onde o artista se modifica”. Além de uma música de autoria de Mateus Mesmo, alguns clássicos da música brasileira são executados. Macaco dança freneticamente, enquanto a música ‘Macaco’, de Arnaldo Antunes, é executada. Inicia-se uma intensa troca de figurino, a partir do ‘Vira’, dos Secos e Molhados, e diz a que realmente veio quando ‘Cultura e Civilização’, de Gilberto Gil, é tocada.

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“A arte permite essa quebra, você sobe no palco e tudo é permitido. Eu passo muitas dificuldades enquanto artista, porque eu gosto da rua. Muita gente pensa que você só vai ser artista de verdade se estiver na Globo, por exemplo. Enquanto eu estiver fazendo minha arte na rua e sendo feliz, para alguns isso não é arte. O Léo (dos Glamourings) fala exatamente disso porque ele é arte viva, o corpo dele virou arte e a arte é algo que incomoda e é uma boa arma para falarmos disso”, continua Macaco. E durante essa noite de temperatura instável, Macaco troca sua roupa, troca sua pele, troca sua personalidade, troca as roupas dos músicos, inverte os músicos, veste camisa nas pernas e a calça na cabeça. A cultura? A civilização? Elas que se danem. Ou não.

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À meia-noite, o termômetro marcava -620 graus gliverings e o telefone tocava Glamourings, indicando que era o momento ideal para o início do deboche. Quando a Banda Glamourings surge no palco, já impacta pela estética. Cada um deles se assemelha a um personagem de filme B de ficção científica, com uma maquiagem carregada e portando instrumentos estranhíssimos. Um ‘Vampiro Sexual’ pilotando sua ‘Bike Envenenada’ pelas ruas sombrias do Benfica.

Essa relação com o figurino é bem intensa, com peças produzidas pelos próprios Glamourings. Segundo Melindra, “em cada show que fazemos estamos em outro momento da gente. Hoje eu sou isso e amanhã serei outra coisa. Andamos muito de bicicleta e quando vejo algo na rua penso ‘dá pra fazer uma roupa com isso’ e pego para compor o figurino. E pegamos coisas do lixo, usamos materiais para roupas que não são feitos apenas com tecido, mas usamos sacolas, peças de ventilador, bicicleta, cabeça de boneca, para tornar esse mundo cada vez mais mágico. Na Banda Glamourings é muito importante a magia”. Esse conceito relacionado ao lixo parece ter grande impacto sobre a banda. Mais uma vez, nas palavras de Melindra “a banda Glamourings tem muita relação com o lixo, o lixo da sociedade, a gente é muito visto como lixo da sociedade pela  forma como a gente é, pela forma como a gente se veste. E nós encontramos força nisso. Nós, de alguma forma, fomos transformados em monstros, somos monstros diante dos olhos da sociedade”.

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Suas letras e performance demonstram uma relação íntima com esse olhar torto da sociedade que paira sobre cada Glamouring desde sempre. Olhar que foi duro e sofrido, especialmente quando eram mais jovens e ainda não tinham a expressão que possuem hoje, mas que também foi transformador. “Nosso trabalho é o que nós nos tornamos, nós nos tornamos em algo. E por nós nos tornarmos nesse algo, coisas surgiram. Eu canto assim porque, quando eu saio de casa, eu sofro preconceito. Eles me constroem, eles me transformam num monstro mesmo. Eu guardei muita coisa pra mim, tive que viver com isso, e sou o que sou agora pelas coisas que vivi. Se eu fui um dia criança e sofri por essas coisas porque não tinha força, não tinha voz, passei por tudo isso e me transformei com todas as coisas que as pessoas jogam em mim. Eu sou não mais apenas vítima disso, essas letras falam sobre isso”.

Não há como eleger a principal característica do espetáculo. Uma combinação mágica de visual psicodélico, performance teatral, letras com conteúdo marcante e arranjos vocais bem elaborados. Durante o show, somos surpreendidos de várias formas, seja sendo apresentados aos divertidos produtos Glamourings ou escutando uma das Histórias Mais Curtas do Mundo. Na introdução da música ‘Delírio de Medusa’, eles pedem o coração de cada um que está assistindo ao show, colocam no liquidificador e bebem nossos sentimentos. Todos os que entregaram seus corações entram em um delírio de arrepiar. Ainda temos as maravilhosas palavras Glamourings. “As palavras do mundo já estão desgastadas, então brincamos com as palavras, trocamos as palavras. Porque falar que o show foi legal se posso afirmar que ele foi gleystrings?”. Tudo é tão envolvente que até os materiais de divulgação dos show são especiais, como o cartaz feito pela artista Marina de Botas para o evento, mas que infelizmente não pode ser utilizado. A apresentação mexe intimamente com cada um, a ponto de sair do show querendo fumar um beck com seu crush em Quixadá, como é cantado em ‘Abdução’, ou fazer um deboche flyndrico, ou simplesmente ser você, não o você que a sociedade exige, mas você de verdade, o que resume bem o que são esses seres interespaciais, mas que estão tão próximos de nós. “Achamos que a existência está acima de tudo, a vontade de ser o que você é mesmo”. Abra os olhos. Os Glamourings chegaram em seu meteoro. E vieram pra ficar.

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