Um Passeio pela Produção Musical Independente

Há mais de uma década, a ONG Mediação de Saberes promove, em parceria com o Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB), aqui em Fortaleza, o projeto Percursos Urbanos, onde um grupo visita pontos da cidade unidos por um tema específico, sempre com a mediação de um especialista naquela área. No sábado passado, 26 de agosto do sapotístico ano de 2017, nós tivemos o prazer de realizar a mediação de um percurso com o tema “Um Passeio pela Produção Musical Independente com Sapoti Soundz”. Estamos sempre de olho no que a galera está fazendo na cena underground da cidade e se você quer conferir essa cena conosco, basta acompanhar as coberturas de festivais e de lançamentos de artistas locais aqui em nosso site. Além, claro, de comparecer à festa “Desfrutando com…”, que ocorre mensalmente no Bolacha Mágica e já recebeu nomes como Lascaux, Miss Jane e Banda Glamourings.

Pois bem, naquele dia saímos do CCBNB no meio de uma tarde quente e ensolarada e já dentro do ônibus que nos levaria nesse percurso, o caloroso som dos dj’s do Sapoti Soundz começa a animar a trupe que foi reunida para esse passeio. Um dos grandes baratos do projeto é o seu público diverso, que vai de crianças à idosos, de várias partes da cidade. O importante é a vontade de conhecer Fortaleza sob várias óticas, sob diferentes visões, visitar lugares ainda não explorados por esse público e, nesse caso específico de um percurso musical, havia a capacidade de se divertir e se deixar envolver pelo que temos de melhor em produção independente.

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Nossa primeira parada foi no Bar Pé de Serra e lá encontramos Marcelo Renegado e Ricardo Pinheiro, irmãos e fundadores da Banda Renegados, que já conta com uma história de mais de 20 anos de estrada, batalhando para viver de rock e de música autoral em nossa cidade. Ao desembarcarmos, fomos recebidos por Marcelo no violão e Ricardo na percussão, encantando a todos com o que sabem fazer de melhor: música de qualidade. Mas os caras também são bons de papo. Falaram sobre como é difícil trabalhar com música autoral, embora, segundo eles, hoje seja um momento melhor do que quando começaram. Renegados também tem uma posição política bem forte e discutiram com a galera do percurso a perseguição que os artistas estão sofrendo na noite de Fortaleza. “Fazer música em Fortaleza é crime ambiental. Destruir dunas milenares para fazer prédios não?”, questionou Marcelo, referindo-se às dunas do Cocó. Comentaram também sobre o desafio de gravar sem apoio financeiro e sem apoio de gravadoras, bem no estilo ‘faça-você-mesmo’, onde produção, gravação e divulgação fica por conta do próprio grupo. Aliás, fiquem atentos, pois o novo disco da banda já está em pré-venda, outra estratégia para viabilizar seu lançamento. Na despedida do bate-papo, antes de entrarem em sua Kombi pintada em estilo sessentista, os irmãos nos agraciam com mais músicas. Duvido que você não conheça, mas se ainda não ouviu, corra e busque ‘Renegados – Além dos Rótulos’. Vale demais investir seu tempo nessa audição.


Em seguida, embarcamos no ônibus. Próximo destino: Bom Jardim. E tome mais música com Sapoti Soundz e tome animação com a galera massa que veio acompanhar esse percurso. A propósito, a música só era freada para debater o tema do percurso. No caminho para o bairro, apresentamos os projetos do Sapoti e discutimos um pouco sobre a história da cena alternativa, desde os longínquos anos 90 até hoje. Rememoramos festivais como o Microfonia (na Casa de Cultura Alemã), as origens do ForCaos e as casas de show, como o Cidadão do Mundo e o Noise 3D, além de pontos de encontro, como a loja Opus, na galeria Pedro Jorge, no Centro da cidade, onde muitas bandas se formaram. Mas também falamos muito sobre o hoje, do Casarão Benfica (que sedia o Festival Fortaleza Cidade Marginal), da Turma do Canteiro (que promove o Festival Canteiro Independente, no meio da Avenida Leste-Oeste), do Festival Girls to the Front (que reúne bandas com vocais femininos), do Salão das Ilusões (e sua proposta multicultural), das festas no Bar Lions (na Praça dos Leões, foco de cultura e história) e da resistência dos rolezinhos na nossa periferia. Periferia, aliás, que sabe muito bem trabalhar com a cultura alternativa e do faça-você-mesmo. Festivais independentes estão ocorrendo em bairros como Messejana, Antônio Bezerra, Conjunto Ceará, Nova Metrópole (Caucaia), dentre outros. Claro, não poderíamos deixar de citar os Saraus Poéticos que ganharam força em toda a perifa, após uma tentativa covarde (mas fracassada) do poder público de calar a boca da juventude oprimida.

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E para representar o som independente que vem da periferia, escolhemos como segundo ponto de parada a Toca Good Garden, espaço de shows e convivência para as bandas do Grande Bom Jardim. É na Toca que as bandas da região, que formam o coletivo Grande Rock Bom Jardim, mostram toda sua versatilidade e seu som autoral: Rock, Metal, Punk, Hardcore estão entre os estilos representados. Lá assistimos o documentário sobre a banda The Good Garden, que define seu som como “rock regressivo e basicão”. Georgiano, baixista da banda, e Cícero Alexandre, baterista, falaram sobre a trajetória e as dificuldades de construir uma cena cultural em um bairro marcado pela violência e pelo estigma. Pelas estatísticas oficiais da Secretaria de Segurança Pública, o Grande Bom Jardim é, disparada, a região da cidade em que mais se matou gente em 2017 na nossa cidade. E sabemos quem é a vítima preferida: a juventude pobre e sem perspectiva. Incrustada no coração do bairro, a Toca é um foco de resistência. O coletivo Grande Rock luta contra a violência do dia a dia, mas também luta contra o preconceito, contra o olhar torto da sociedade quando se diz sua origem. Trabalho essencial, pois a mais eficiente e prazerosa forma de mudar o seu meio é através da arte. O rock pode sim ser transformador.

De volta ao ônibus, seguimos com o som, agora com uma seleção feita pelo Sapoti Soundz somente com bandas da nossa cena independente. E o papo durante esse trecho em direção ao bairro Jardim América foi exatamente sobre essas bandas. Tocamos e recomendamos bandas como Casa de Velho, Lascaux, Cuspindo pra Cima, Miss Jane, Banda Glamourings, Ouse, New Model, The Good Garden, Renegados, Aderiva, Síncope, Conturbo, Cocaine Cobras, Medoniah, Hijas de Put4, Malditos Remanis e Intuicion. Confira uma amostra dessa lista na deliciosa mixtape que acompanha esse texto. É, sem dúvida, o puro desfrute.

Nossa última parada foi no Estúdio Esconderijo, literalmente um local de fuga, um refúgio, onde as bandas podem se encontrar, ensaiar, trocar ideias e experiências, além de planejar seus próximos projetos. No Esconderijo também ocorrem alguns eventos, como o Ensaio Aberto e o CarnaRock. Lugar muito aconchegante, onde fomos recebidos pelas bandas Lascaux e Cuspindo pra Cima e por Joicy, do coletivo Girls to the Front. Mais uma vez, a fala gira em torno da importância da música autoral e das dificuldades. As duas bandas são novas, estão na luta por espaço e comentam sobre a falta de locais para tocar e mostrar seu trabalho. Mas, ao mesmo tempo, mostram que, com as parcerias certas, a cena caminha, apontando o companheirismo entre as bandas, os festivais alternativos na periferia e a ocupação de espaços públicos – praças, ruas e mercados – como alternativa e saída para dar vazão a sua produção.

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Para fechar com chave de ouro esse incrível Percurso, nos apertamos em uma das salas do Esconderijo para escutar as bandas. Primeiramente, a Lascaux, que fez uma apresentação primorosa, irretocável, mostrando a impressionante evolução do som da banda. Dentre as bandas da nova geração, é a que se mostra estar mais pronta para despontar. George, Eric, Samuel, Rony e Victor obrigaram a todos a se balançar, ao som da música ‘Radiola’. Na sequência, segurando a energia no alto, Cuspindo pra Cima toca ‘Retrato Inacabado’. Israel, Isaac, João Neto e JP mostraram como um rock sem firulas e bem tocado nunca vai deixar de impressionar a quem escuta. Ao vivo, no estúdio, pertinho da banda, fica ainda mais legal. Lindo de se ver também foi a interação das duas bandas. Enquanto uma tocava, a outra estava lá, curtindo, dançando, cantando junto. São duas bandas parceiras, irmãs. O destaque dessa apresentação fica para os bateristas: Rony Duarte, da Lascaux, com sua batida firme e elegante, e João Neto, da Cuspindo pra Cima, que tocou loucamente em um estilo Keith Moon cearense.



Ao final, apesar do cansaço por atravessar a cidade, discutindo e escutando o que há de melhor em nossa produção independente, ficamos com a sensação de que ainda queríamos mais. Gostaríamos de mais encontros, escutaríamos mais histórias, conheceríamos mais sons, mais bandas e mais lugares incríveis. Quem sabe um próximo Percurso? Esteja atento. O Puro Desfrute sempre pode bater a sua porta.

Um comentário em “Um Passeio pela Produção Musical Independente

  1. Que massa!! Queria parabenizar pela iniciativa, estou aqui imaginando como deve ter ocorrido o percurso “Um Passeio pela Produção Musical Independente” .. A banda OUSE não tem palavras por ter sido lembrada no decorrer desse encontro. O cenário foi muito bem representado( Cuspindo pra Cima, The Good Garden e Lascaux ).. Valeu!!

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